Segundo a vítima, que preferiu não se identificar, ela estava retornando para casa após passar por uma cirurgia de catarata em um hospital de Sorocaba (SP). O ônibus estava transportando outros passageiros que também haviam feito atendimentos voltados à saúde na cidade. “Neste dia, nós havíamos saído de Sorocaba e, no caminho, passaríamos em Itu (SP) para pegar outros passageiros. Eu, que estava sozinha, comuniquei ao motorista o que estava acontecendo e pedi para ele parar em dois postos de gasolina, mas ele negou”, relembra. A idosa conta que, com o passar do tempo, as necessidades fisiológicas foram aumentando e, por conta disso, chegou a pedir para parar no acostamento da rodovia. Ela teve o apoio de outros passageiros que estavam no veículo, mas, novamente, foi ignorada pelo motorista. “Teve uma hora que eu falei: ‘Pelo amor de Deus, pare no mato, não deixe acontecer o que está prestes a acontecer’. Mas não deu certo. Eu estava me contorcendo e me espremendo muito. Os outros passageiros chegaram a me ajudar e me apoiar, dizendo: ‘Atende essa senhora, motorista'”, relata. Por conta da situação, que ocorreu em 22 de maio, a vítima afirma que se sente abalada até os dias atuais e evita ao máximo tocar no assunto para evitar crises de ansiedade e de choro. Na visão dela, o episódio pode ser descrito como uma humilhação profunda. “Eu fiquei três dias trancada no meu quarto chorando sem parar. Choro toda vez que me recordo do que aconteceu. Nunca me senti tão humilhada e desrespeitada na minha vida. É questão de dignidade humana, é uma necessidade fisiológica. Fico imaginando se minha mãe estivesse lá e passasse por isso no meu lugar. Eu não sei nem o que faria”, lamenta. “Morei no Japão por 15 anos e, depois que retornei, vi que as pessoas não sabem tratar os idosos da forma correta. Só não caí em depressão por Deus estar e agir na minha vida. Eu segurei tanto que meu corpo acabou ficando machucado e estou em tratamento até hoje”, completa. Mesmo após o constrangimento, a idosa revela que precisou usar o transporte novamente para retornar a Sorocaba. O motorista era o mesmo, mas, desta vez, o trajeto ocorreu como esperado. “Eu me comportei como uma pessoa normal, que fazia parte do grupo, já que o ônibus estava bem cheio. Ele disse meu nome em voz alta e, quando eu levantei minha mão, ele sentou e nós seguimos viagem”, explica. Prefeitura foi condenada Prefeitura de Araçariguama (SP) — Foto: Reprodução/Google Street View Em decorrência do caso, a Justiça condenou a Prefeitura de Araçariguama a indenizar a idosa em R$ 5 mil por danos morais. A sentença foi dada em 25 de julho, mas as informações vieram à tona somente na segunda-feira (11). Cabe recurso. O g1 teve acesso à sentença, que foi proferida pelo juiz Matheus Oliveira Nery Borges. No documento, ele descreve a conduta do motorista como uma “violação frontal ao princípio da dignidade da pessoa humana”. “O dano moral é evidente e dispensa maior demonstração. A defecação involuntária em ambiente público, especialmente na presença de outros usuários do serviço, constitui situação de extremo constrangimento e violação da dignidade pessoal. O sofrimento psíquico da requerente, pessoa idosa, é presumível pela natureza do evento”, descreve. Ainda conforme o documento, a prefeitura chegou a entrar com uma liminar alegando ilegitimidade passiva devido ao serviço ser terceirizado, mas foi recusada pelo juiz. De acordo com ele, a terceirização não anula o dever do estado, que é o titular responsável, prestar o serviço de forma adequada. A ação inicial pedia um valor de 60 salários mínimos como pagamento à idosa, que passou pela situação na frente de outros passageiros do transporte. No entanto, o juiz estipulou a indenização em R$ 5 mil por considerar o valor anterior excessivo à causa. Com a condenação da prefeitura, a idosa espera que o atendimento de saúde pública na cidade mude completamente. Independentemente da idade, ela acredita que ninguém mereça passar por esse tipo de situação. “Eu fui uma pessoa que foi bem educada e sei dos meus direitos, mas fico pensando nas pessoas que não têm voz, que não têm fala. Não consigo entender o motivo de eu ter que implorar para ir ao banheiro. O ser humano merece ser respeitado, a cidade tem muito o que melhorar. Estou profundamente decepcionada”, comenta. O g1 questionou a prefeitura a respeito da condenação, mas não teve retorno até a última atualização desta reportagem. *Colaborou sob supervisão de Gabriela Almeida VÍDEOS: assista às reportagens da TV TEM
‘Fiquei três dias trancada chorando’, diz idosa que defecou em ônibus após motorista negar parada
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