O assassinato aconteceu em 13 de junho no Viaduto 25 de Março, no Centro da capital. As câmeras corporais dos agentes registraram o momento em que o jovem de 24 anos — que vivia em situação de rua — chora e é rendido antes de ser assassinado. (Veja acima.) Segundo a irmã de Jeferson, Micaele Soares, o translado do corpo da capital paulista para o município de Craíbas custa cerca de R$ 15 mil. Ela e as outras três irmãs não têm a quantia necessária e sofrem há dois meses sem poder se despedir do irmão. “Faz dois meses que ele está morto, é uma dor que não passa”, desabafa Micaele. Para liberação do corpo, ainda existe outra pendência: a realização do exame de DNA para identificação oficial do corpo. De acordo com a Secretaria da Segurança Pública (SSP), a vítima não tinha documento de identidade, o que impossibilitou o reconhecimento por impressões digitais. Por isso, a Superintendência de Polícia Técnico-Científica está “em tratativas para viabilizar a coleta de material dos familiares diretamente em Alagoas”, explicou a SSP. Contudo, um prazo para o procedimento não foi divulgado. A família de Jeferson está sendo atendida pela Rede Apoia, da Defensoria Pública de São Paulo, um setor especializado no acolhimento de familiares de vítimas mortas em contexto de intervenções policiais. A Defensoria informou que trabalha para viabilizar o translado do corpo do jovem para a cidade natal e avalia, futuramente, entrar com um processo por danos morais contra o Estado em razão do assassinato de Jeferson. Na avaliação do advogado Ariel de Castro Alves, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP e presidente de honra do Grupo Tortura Nunca Mais, esse caso é emblemático com relação à falta de apoio e assistência do Estado às famílias de vítimas de violência. O governo do estado nada fez para garantir um velório e enterro dignos a ele. Isto é revoltante. Ele viveu sem dignidade, porque estava abandonado e morando nas ruas. Foi assassinado de forma cruel por agentes do estado que deveriam protegê-lo. E mesmo após a morte está sendo tratado com indiferença e sem nenhuma dignidade e respeito. — Advogado Ariel de Castro Desde o crime, os PMs Alan Wallace dos Santos Moreira e Danilo Gehring estão presos preventivamente no Presídio Militar Romão Gomes. Eles são réus por homicídio qualificado. Quem é Jeferson Jeferson de Souza tinha 24 anos — Foto: Arquivo pessoal A irmã da vítima, Micaele Soares, contou ao g1 que o irmão deixou a família em busca de oportunidades de emprego e uma vida melhor em São Paulo. “A minha mãe faleceu. A gente não tem mãe nem pai. Ele foi embora em busca de trabalho. Ele tinha um sonho muito grande de ser jogador de futebol. Foi em busca de melhora”, compartilhou Micaele emocionada. Filho único homem entre cinco irmãos, Jeferson teve a vida atravessada por duas dores: a morte da mãe por câncer e o assassinato do pai. “Mexeu muito [com ele], e se a gente não tiver psicológico, a gente adoece, vira a cabeça”, desabafou Micaele. Em São Paulo, Jeferson conseguiu empregos em pizzarias. No entanto, acabou entrando no mundo das drogas e, com o tempo, foi parar em situação de rua. “A gente tentou ajudar, mas quem está no vício sabe como é difícil para sair e tudo. E quando [a gente] menos espera, acontece essa tragédia.” A notícia da morte de Jeferson chegou para a família através de uma ligação da polícia. Quem tava ali para proteger, foi lá e tirou a vida dele. Nada justifica tirar a vida de um ser humano. Por que não prendeu se ele devia alguma coisa para a Justiça? Foi por ‘malvadeza’ mesmo que eles fizeram. — Micaele Soares, irmã da vítima Desde então, a família luta para trazer o corpo de Jeferson — que está no Instituto Médico Legal — de volta para Alagoas, mas esbarra nas dificuldades financeiras. O valor do translado é de cerca de R$ 15 mil, por isso a família espera conseguir ajuda da Defensoria Pública de São Paulo. Micaele lembra do irmão como uma pessoa generosa e prestativa. “Ele era muito bom, doce e sempre ajudava o próximo. Você mandava fazer uma coisa, e ele fazia.” Dois meses após a morte, Micaele ainda lida com o trauma. “Desde que eu vi essas imagens, a cena está todinha na minha cabeça, não estou conseguindo dormir nem comer. É uma dor que não tem explicação. Que para sempre vai ficar marcado na minha vida, da forma que ele morreu, tão cruel”. Jeferson de Souza — Foto: Arquivo pessoal Homicídio No dia do crime, o tenente Alan Wallace dos Santos Moreira e o soldado Danilo Gehring, ambos da Força Tática, alegaram que a vítima tinha reagido a uma abordagem da equipe e havia tentado retirar a arma de um dos agentes antes de ser baleado. Contudo, as imagens de câmeras corporais, obtidas com exclusividade pela TV Globo, mostram que policiais mentiram ao justificar a execução de Jeferson. Pelas imagens, Jeferson estava desarmado, acuado, e foi morto com três tiros de fuzil sem apresentar qualquer ameaça. O vídeo mostra que Jeferson foi abordado por seis PMs por volta das 20h20, quando desceu de uma árvore e foi revistado debaixo do viaduto. Em seguida, foi levado para trás de uma pilastra, onde se sentou no chão, de pernas cruzadas, e passou a ser interrogado. Jeferson de Souza, morador de rua executado pela PM em São Paulo — Foto: Reprodução/TV Globo O soldado Danilo, que estava com a câmera corporal ligada, chegou a tirar uma foto do homem e a enviou para diferentes contatos pelo celular. Pelas imagens, é possível ver Jeferson com as mãos para trás, chorando. Um policial segura um fuzil ao lado dele. Em determinado momento, a vítima é obrigada a se virar de costas. Pouco depois, o soldado Danilo cobre a lente da câmera com a mão e desvia o equipamento. Segundos depois, Jeferson aparece morto, com ferimentos de fuzil na cabeça, tórax e braço. A defesa do sargento Alan disse que “a ação policial decorreu de legítima defesa e que demonstrará isso ao tribunal do júri”. A defesa do soldado Danilo não foi localizada. O que diz a SSP “A Polícia Militar determinou imediatamente a prisão dos policiais envolvidos após tomar conhecimento das imagens do caso. Eles seguem detidos no Presídio Militar Romão Gomes (PMRG), enquanto o Inquérito Policial Militar (IPM) é conduzido pela Corregedoria. A corporação reafirma que não tolera excessos ou desvios e que os agentes responderão nas esferas disciplinares e judiciais. Paralelamente, o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) conduz a investigação, já em fase final, e reuniu elementos que permitem identificar a vítima com alto grau de confiabilidade. A equipe entrou em contato com a família, que foi encaminhada à Defensoria Pública de São Paulo para viabilizar o traslado do corpo. Foi constatado que a vítima nunca teve documento de identidade emitido, o que impossibilitou o reconhecimento pessoal por impressões digitais. Para viabilizar a confirmação genética, o Núcleo de Biologia e Biotecnologia (NBB), da Superintendência de Polícia Técnico-Científica (SPTC), está em tratativas para viabilizar a coleta de material dos familiares diretamente em Alagoas.”