Segundo o documento, ao qual o g1 teve acesso, o muro avança sobre área pública, impede o acesso à praia, compromete a fauna marinha e intensifica a erosão costeira. O laudo pericial faz parte de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal contra o empresário João Vita Fragoso de Medeiros, dono de um terreno no local e responsável pela construção da barreira em fevereiro de 2023, sob a justificativa de contenção do avanço do mar na propriedade. A nova perícia técnica corrobora os apontamentos realizados pelo Ibama em 2024. O documento aponta que o muro tem 570 metros de extensão, ultrapassando em mais que o dobro os 250 metros autorizados inicialmente pela CPRH. A construção também avança 1.282 m² além dos limites da propriedade registrada no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). A perícia também confirmou que o muro foi construído integralmente em Área de Preservação Permanente (APP), conforme as legislações federal, estadual e municipal, além de estar em faixa de praia, considerada bem público de uso comum. A obra está em área classificada como “non aedificandi”, ou seja, onde construções são proibidas por lei. Área marcada em amarelo aponta área cercada além da propriedade — Foto: Reprodução/Justiça Federal Danos à vegetação e à fauna marinha Um dos principais impactos ambientais apontados pelo laudo técnico é a supressão irregular da vegetação de restinga, ecossistema protegido por lei e essencial para a estabilidade da faixa costeira. De acordo com o documento, a construção do muro destruiu parte dessa vegetação e, após o embargo da obra, a área foi novamente soterrada com areia retirada da própria praia para reforçar a estrutura. “Como resultado da supressão, o Ibama aplicou um Auto de Infração com multa de R$ 5.000,00 especificamente por danificar vegetação de restinga durante a construção do muro. Portanto, as evidências apontam que a construção do muro causou, de fato, a supressão irregular de vegetação de restinga, uma área protegida por lei”, diz o laudo. Além disso, a perícia aponta que o muro atua como uma barreira física que impede o acesso de tartarugas marinhas às áreas mais elevadas da praia, onde normalmente realizam suas desovas. Em maio de 2024, uma tartaruga chegou a desovar junto ao muro e o caso foi documentado pela Polícia Federal. Outro problema identificado foi a poluição causada pela degradação dos sacos de ráfia utilizados na construção da barreira. Com o tempo, esses materiais começaram a se desfazer e liberar microplásticos na areia, no estuário e nos manguezais, colocando em risco a fauna marinha, que pode ingerir ou se emaranhar nos resíduos. Erosão costeira e perda da faixa de areia A perícia também identificou que o muro interfere diretamente na dinâmica sedimentar da região. Segundo o laudo, a estrutura bloqueia o transporte natural de sedimentos, intensifica a erosão costeira e causa escavação na base do muro, o que pode levar ao seu colapso. Na prática, a energia das ondas, ao bater no muro, gera turbulência e remove a areia da base da estrutura. O documento aponta que, com o tempo, isso pode tornar a estrutura instável e exigir manutenção constante. Além disso, a erosão pode se transferir para praias vizinhas, agravando o problema em toda a região. Outro problema seria o risco à segurança dos visitantes da praia. Durante marés altas, a faixa de areia desaparece em diversos pontos, tornando a área intransitável. Segundo o laudo, há registros de pessoas caminhando com água na cintura para contornar a estrutura, com risco aumentado em situações de “ressaca” do mar. Além disso, a presença do muro também restringe o acesso à praia, especialmente para pescadores, jangadeiros e turistas. Uma placa de “propriedade particular” instalada na área, segundo a perícia, reforça o “constrangimento” e a sensação de privatização de um espaço público. “Existe uma placa que colabora com o constrangimento com os dizeres ‘Pontal de Maracaípe. Esta é a Fazenda Pontal dos Fragoso. Propriedade Particular’. O constrangimento aqui, está na mensagem de que, por ser uma ‘área particular’, o acesso deve ser restrito, entretanto, a placa ‘impeditiva’, está em área pública”, diz um trecho do documento. Imagem anexada à perícia mostra pessoas com água na cintura em área próxima ao muro — Foto: Justiça Federal em Pernambuco/Reprodução O que dizem os citados Procurada, a Justiça Federal em Pernambuco disse que as partes foram intimadas para se manifestar sobre o laudo do perito. Caso haja alegação de omissões ou contradições, o perito pode ser acionado para responder às questões por escrito ou em audiência. “Após esses esclarecimentos, abre-se prazo para alegações finais das partes e, por fim, sairá a sentença”, disse o órgão em nota. Também procurados, o empresário João Vita Fragoso de Medeiros e a Agência Estadual de Meio Ambiente não se manifestaram sobre a perícia até a última atualização desta reportagem. Relembre o impasse O muro de 576 metros, feito de troncos de coqueiros, foi erguido em maio de 2023 pelo empresário João Vita Fragoso de Medeiros, proprietário de um terreno localizado em frente à praia do Pontal de Maracaípe.No local, a família Fragoso tem a propriedade de um terreno de mais de dez hectares, desde 1970.Segundo Fragoso, a estrutura de contenção tinha 250 metros de extensão e foi construída com troncos de coqueiro firmados no chão com sacos de ráfia com areia.O muro fica no Pontal de Maracaípe, área turística onde as águas do Rio Maracaípe se encontram com o Oceano Atlântico, vizinha à praia de Porto de Galinhas, no município de Ipojuca, no Litoral Sul do estado.Comerciantes, moradores e turistas denunciaram que a estrutura dificultava o acesso à praia, mas a construção do muro havia sido autorizada pela Agência Estadual de Meio Ambiente sob o argumento de preservação ambiental do local.Em maio de 2024, a CPRH disse que a barreira causava danos ambientais e ordenou que o proprietário do terreno derrubasse a estrutura em até 30 dias.Às vésperas do fim do prazo dado pelo órgão, a família Fragoso conseguiu na Justiça uma liminar proibindo o governo de adotar qualquer medida para remover a estrutura. A decisão foi derrubada em outubro.No dia 6 de junho de 2024, a juíza Nahiane Ramalho de Mattos, do TJPE, proibiu a demolição, afirmando que a CPRH não deixou claro como os donos do terreno haviam descumprido a autorização.No mesmo mês foi divulgado um relatório do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) apontava que o muro estava provocando erosão costeira e que tinha 576 metros, mais que o dobro do tamanho autorizado pela CPRH.Ainda segundo o Ibama, os sacos de ráfia utilizados na estrutura estão se desfazendo em detritos e poluindo a área de praia.A CPRH iniciou a demolição em janeiro de 2025, mas o proprietário reconstruiu o trecho removido horas após início da demolição. Desde então, o caso aguardava novo parecer da Justiça. Muro que dificulta acesso à praia no Pontal de Maracaípe é reconstruído horas após início de demolição VÍDEOS: mais vistos de Pernambuco nos últimos 7 dias
Muro no Pontal de Maracaípe: perícia solicitada pela Justiça Federal confirma danos ambientais e obra irregular em área protegida
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