Para as mulheres, o desafio é ainda maior: além de lutar contra o estigma de estar em uma ‘profissão invisível’, a sociedade patriarcal as sobrecarrega com a responsabilidade das tarefas domésticas e a educação dos filhos. De gari a cozinheira, de faxineira a costureira… Elas são peças-chave para o funcionamento da sociedade, mas continuam sendo esquecidas e ignoradas. Sem glamour ou holofotes, enfrentando jornadas exaustivas e salários desproporcionais, essas mulheres seguem resistindo — não pela romantização de suas tarefas, mas pela busca por respeito e reconhecimento de suas histórias. Neste Dia Internacional da Mulher, 8 de março, o g1 conversou com quatro profissionais para dar a voz e a visibilidade que elas merecem. Ivanete Ferreira Serafim é gari em Juiz de Fora — Foto: Arquivo Pessoal No sol e na chuva “Eu me vejo como uma mulher que luta todos os dias para conquistar o que deseja. Nada em minha vida foi fácil, mas cada desafio me ajudou a crescer e a me tornar quem sou hoje” — Débora Brígida Ferreira dos Santos Débora Brígida Ferreira dos Santos, 35 anos, é gari em Juiz de Fora desde 2019. Embora desempenhe um trabalho essencial para a cidade, enfrentando o sol e a chuva para manter as ruas limpas, ela compartilha que, frequentemente, lida com situações de preconceito. “Muitas vezes, nos transportes urbanos, as pessoas evitam sentar ao lado de um gari, e é difícil ter acesso a banheiros, pois muitos comerciantes não permitem o uso por parte das trabalhadoras”, afirmou. Ela também ressalta a falta de reconhecimento pelo trabalho dela, explicando que, além do esforço diário, o verdadeiro desafio é garantir a manutenção da cidade limpa. “A colaboração da comunidade é essencial para que o trabalho tenha continuidade, mas isso não acontece”, destacou, Débora criou o coletivo ‘Glamurosas’, onde as garis se destacam por cantar e dançar em Juiz de Fora — Foto: Arquivo Pessoal Como forma de encarar o trabalho de maneira mais leve, Débora criou o coletivo ‘Glamurosas’, no qual as garis se destacam por cantar, dançar e até fazer paródias divertidas de músicas, transformando a rotina pesada em momentos de descontração e reconhecimento. “Nosso grupo é cheio de energia e animação. Somos mulheres empoderadas, mães, esposas e amigas, que ganham o sustento através de um trabalho árduo, mas extremamente gratificante”, contou. A dificuldade no dia a dia Mulher virtuosa, quem o achará? O seu valor excede rubis. É uma frase que define ser mulher para mim, que é mãe, é esposa e lutadora. Nós lutamos e corremos atrás daquilo que queremos e somos mais que vencedoras — Ivanete Ferreira Serafim Ivanete Ferreira Serafim, de 60 anos, é costureira desde os 17. Com habilidade nas agulhas e nas linhas, construiu a trajetória e, até hoje, se sustenta com o trabalho em uma profissão essencial, mas pouco valorizada. “Tenho orgulho de ter criado meus filhos, hoje já crescidos, sem precisar mandá-los para a creche, pois trabalhava em casa e podia ficar de olho neles. Além disso, consegui ajudar minha mãe e meu marido com o que ganhava da costura”, contou. A costura não foi apenas um meio de sustento, mas também uma forma de proporcionar independência financeira a outras mulheres. “Ensinei quatro mulheres a trabalhar comigo, e hoje elas já estão seguindo seu próprio caminho na profissão. É gratificante ver que, com o que aprenderam, elas conseguem conquistar seu sustento”. Ivanete Ferreira Serafim, de 60 anos, é costureira desde os 17 anos — Foto: Arquivo Pessoal Apesar de a costura ser um trabalho que ‘nunca falta’, Ivanete já viveu momentos de desvalorização. “Às vezes, encontro pessoas que querem um tipo de costura e dizem: ‘É fácil, isso é rapidinho’, mas não é assim. Se você vai consertar ou fazer uma roupa, exige trabalho. Esse tipo de fala demonstra que a pessoa não valoriza nosso serviço. Já tive pessoas que disseram: ‘Ah, ela é costureira’, como se isso não tivesse importância. Mas acho que a costura é uma arte”. Apesar de tudo… Tudo o que eu tenho, conquistei sozinha, apesar de todos os desafios da profissão — Tatiana Rodrigues Tatiana Rodrigues, de 38 anos, chefia a casa e sustenta o filho com a profissão de cantineira em uma escola de estudos supletivos em Juiz de Fora. Apesar do orgulho em poder afirmar que é totalmente independente, ela gostaria de ter outra oportunidade e mudar de profissão. “Eu gostaria de mudar de profissão, não por não gostar dela, mas pelo valor. Ganho muito pouco na cozinha, não somos valorizadas. Gostaria de ganhar melhor em outra profissão'”, disse Tatiana. Tatiana Rodrigues, de 38 anos, chefia a casa e sustenta o filho como cantineira — Foto: Arquivo Pessoal A cantineira tem planos para o futuro que sonha em alcançar, mas que são difíceis de realizar com o cargo atual. “O que eu mais quero é poder viajar mais com meus filhos e aproveitar a vida. E, infelizmente, em relação ao que a gente ganha, não conseguimos proporcionar essas coisas”, finalizou. ‘Às vezes não somos bem vistas’ Acredito no meu valor, mas sei que a humildade é essencial para minha evolução — Paola Jéssica Camilo Ferreira Paola Jéssica Camilo Ferreira, de 36 anos, é auxiliar de serviços gerais em um parque em Juiz de Fora, função que exerce há um ano e meio. Antes disso, trabalhou como recepcionista e banhista de animais em pet shop. Ela destaca a importância do trabalho, ressaltando que, sem ele, muitas coisas não sairiam do lugar. “O cargo de auxiliar de serviços gerais é essencial. Gosto de saber que contribuo para um ambiente agradável e seguro para todos”. Apesar da dedicação, Paola enfrenta o preconceito que ainda existe em relação à profissão. “Infelizmente, essa função não é muito bem vista. Muitas pessoas acreditam que quem trabalha nela é alguém sem escolaridade, sem entendimento ou, até mesmo, alguém que não quis conquistar algo diferente”. Paola Jéssica Camilo Ferreira, de 36 anos, é auxiliar de serviços gerais — Foto: Arquivo Pessoal Esse estigma, porém, não a faz duvidar da importância do trabalho dela. A rotina exaustiva, o esforço físico e a necessidade de cuidado ao manusear os produtos de limpeza são alguns dos maiores desafios que Paola enfrenta. Mesmo assim, ela encara tudo com determinação e responsabilidade. “Sou uma mulher negra de 36 anos e, ao longo da minha vida, tive diversas experiências. Estou focada nos meus estudos e buscando evoluir constantemente”. Mesmo diante das adversidades, Paola segue firme, sonhando com o futuro e com a evolução que tanto almeja. Paola Jéssica Camilo Ferreira trabalha em um parque em Juiz de Fora — Foto: Arquivo Pessoal VÍDEOS: veja tudo sobre a Zona da Mata e Campos das Vertentes
Da invisibilidade à luta: como mulheres que trabalham em serviços essenciais lidam com a indiferença no dia a dia
postagem anterior